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sexta-feira, 3 de julho de 2009

~ A mais forte

~ Não, não falei! Não precisa dizer nada! Agora eu entendo tudo! Exatamente, agora, tudo parece ficar nos seus devidos lugares! Sei das respostas todas! Que vergonha! Não posso continuar sentada à mesma mesa que você (muda suas coisas para a mesa vizinha). Por isto tive que adornar seus chinelos com tulipas ... porque você gosta de tulipas. Por isto é que nós (joga os chinelos no chão) tivemos que passar todas as férias no Largo Malar – porque você não gostava de praia. Por isto, também, meu filho se chama Eskil – porque é o nome do seu pai; por isto tive que usar as cores de que você gosta, comer seus pratos prediletos, beber o que você gosta de beber – chocolate, por exemplo... É por isto! Oh Deus! É pavoroso ter que pensar nisto – horrível!! Tudo, tudo veio a mim de você, até mesmo suas paixões! Sua move-se furtivamente dentro da minha, como um verme, que rasteja, perfura e penetra uma maça, até que nada sobra além da casca ou dos restos! Eu tentei me livrar de você, mas não pude! Como uma serpente, me conquistava e me enfeitiçava com estes seus olhos negros...Sempre que abria as asas para escapar, sentia-me sendo puxada para baixo outra vez; meus pés permaneciam presos n’água e quanto mais lutava para me manter à tona, mais eu afundava; mais para baixo eu ia, até tocar o fundo com os pés, onde você estava, como um caranguejo gigante, pronto para me tomar com suas presas! E é onde estou agora! Oh! Como a detesto; odeio-a, odeio-a! Mas você, tudo o que faz é sentar-se ai em silêncio, fria e impassível!! Sem se importar se hoje é dia de lua cheia ou de lua nova, Natal ou Ano Bom, se os que a rodeiam estão felizes, ou não! Você não tem capacidade para odiar ou para amar, tem o sangue tão frio, como o de uma cegonha, quando observa o buraco de um rato. Você é incapaz de farejar a sua caça e de obtê-la, mas sabe como se esconder nos buracos e nos cantos até cansá-la. Ai esta você, sentada – acho que deve saber que todos chamam este lugar de ratoeira, em sua homenagem. Fica aí, correndo os olhos pelos jornais, na esperança de poder ler a respeito de alguém que tenha tido má sorte, ou que tenha passado por uma desgraça, ou sobre outro alguém que tenha sido expulso do Teatro....Ai esta você, à espreita de vitimas, avaliando suas chances, como um comandante de um navio em um naufrágio.


Trecho do texto "A mais forte" - August Strindberg

2 comentários:

Elton Alves do Nascimento disse...

Coitada...

Ch. Albergoni disse...

A vítima acabará sendo - sempre!- ela mesma!