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domingo, 10 de maio de 2009

~ Folia no meu quarto.


~ O quarto da moça estava em desordem. Mais parecia que, por ali, havia passado um furacão, um vendaval capaz de desalinhar não só fios de cabelo, mas pernas, braços e pensamentos. Caixas coloridas semi-abertas gritavam lembranças - em cartas e cartões postais- das pessoas que foram e também das que ficaram. A moça revirava gavetas procurando - entre pares de meias e folhas de documentos - seu equilíbrio emocional. O colchão encostado na parede descobria outra visão do estrado em madeira repousado na cama que há tanto que há tanto lhe cabia. Atravessou as portas do guarda-roupa na ânsia de dar um fim à sua busca e, dali, só se via as costas dela e, por cima de sua cabeça, voavam calças, vestidos, casacos e nada. Quanto mais procurava, menos encontrava. Folheava álbuns de fotografia, mas os rostos clicados não traziam pinturas, caretas ou línguas de fora. Os livros da estante lhe negavam sujeitos, verbos e predicados enquanto o espelho reclamava sua moldura em preto-e-branco. O faro da moça rastreava cheiros de lápis de cera e margarida; de tinta guache e figurinha auto-colante. Com chave de fenda e martelo em punho, sentou-se no piso e danou-se a descolar os tacos envernizados, pois acreditava que debaixo deles haveria algo que pudesse lhe servir de guia. Apoiava o ouvido esquerdo em pontos estratégicos do pisa na tentativa de identificar ruídos de sorrisos e sinos soando entre vozes e latidos. Quanto mais procurava, menos encontrava. Cada metro quadrado daquele quarto estampava o eclipse emocional da moça em meio a contas telefônicas e imagens sem nitidez. Deu a mão à palmatória, cansou, desistiu. Deitou por cima da pilha de roupas que ali estava e pôs-se a fitar o teto sobre sua cabeça. O lustre redondo alternava contornos em vidro, metal e madeira verde-água. Pensou em quanto tempo fazia que não trocava aquela lâmpada e, já de pé, trepou-se na cadeira mais alta que tinha a fim de desmontar o que ainda restava inteiro naquele quarto. E no que desparafusou o lustre, a luz se fez radiante em feixes espaçados que iluminavam a bagunça , em partes. Um dos raios apontava um disco que a moça pôs pra tocar; outro indicava linha, agulha e retalhos de tecido que ela gentilmente usou para revestir o corpo do espelho resmungão; o outro fazia brilhar a caixinha de música há tempos esquecida e, no que a tampa se levantou, a bailarina pôs-se a dançar por todo o espaço em movimento; e havia ainda outro feixe que refletia os tacos descolados do piso em potes de cola colorida. E assim, cada feixe de luz era um sinal de festa dentro daquele quarto. Quanto mais procurava, mais encontrava folia em cada metro quadrado.



Angel(alguém ou até mesmo ninguém) 10/05/2009 - 15h32


*Inspirado em 'Folia no meu quarto' - o teatro mágico

Um comentário:

PsyLock disse...

"Quero mais careta no retrato..."
O texto ficou muito legal, ressurgiu uma vontade que esta me fazendo mal...infância...como queria voltar a ela...